Rita GT
contemporary art artist feminist




Made in Europe
Estava pronta para ir viver para Berlim.
Desde que mudei de cidade pela primeira vez, com dezoito anos, para ir estudar para uma faculdade de belas-artes, que ganhei este ritmo.
Cada vez mais imagino: como será morar ali?
Percebi- estou a precisar de uma mala nova! Não é fácil empacotar uma vida, decidir o que fica e o que vai. Fui comprar uma mala sansonite. A mala trazia um autocolante que dizia: Made in Europe, 10 year warranty. Garantie de 10 ans, Fabriqué en Europe.
Esta é e será a “bagagem” mais pesada que transportarei em todas as minhas viagens!
A cidade de Berlim tem várias camadas de história, a segunda guerra mundial é a camada mais presente, uma história constantemente a ser reescrita, principalmente por uma das grandes potências económicas contemporâneas: o turismo. Berlim é supostamente cidade das artes da Europa, Europa central, mas de facto o turismo artístico não é o ponto forte desta capital.
Aqui sinto mais forte o que é ser formada por um pensamento euro-centrado.
Gosto de sentir o peso da arte europeia.
Mas quem inventou esta disciplina, a História da Arte?
A invenção da instituição Museu remonta ao século XIX, tempos em que grandes colonizadores enviavam etnógrafos a países colonizados em missão de trazerem para o ocidente todo o tipo de peças de arte exótica a serem mostradas nas chamadas worder rooms. Os etnógrafos influenciaram significativamente a construção da imagem de uma pratica artística, “primitivista”, realizada nessas colónias. Essas peças, por conseguinte, foram apropriadas e assimiladas pelos artistas de vanguarda do século XIX, como foi o caso de Picasso e as suas várias visitas á colecção etnográfica do Palais du Trocadéro. Foi a partir da etnografia clássica que a cultura ocidental adquiriu a ideia de arcaico, cerimónias e rituais de outras sociedades, sendo reconstruída a ideia vaga de até então, sobre o “outro”.
E passado algum tempo acontece a grande transição da arte “autêntica” ou “tribal” para arte- “turismo”. Nos tempos contemporâneos, deparamo-nos com uma imensidão de feiras de arte e bienais, em terras que nunca antes ouvimos falar! Por todo o mundo se tenta adoptar esta estratégia de publicidade propagandista através de circuitos artísticos, convidando assim um determinado público a visitar a sua terra e assim activar o circuito capital e económico.
O passado reescreve-se no presente, possibilitando um impulso artístico que será, e sempre foi utópico.
Uma evocação do passado será sempre um fragmento de um acontecimento, um acentuar de apenas alguns aspectos, uma acção subjectiva.
Made in Europe, 10 year warranty, evoca ironicamente um passado, europeu, mas ao mesmo tempo um futuro próximo, num tempo que é o agora.
RitaGT, Setembro, 2008